Talento, atitude e rock ‘n roll

Os desafios para bandas femininas que tentam a sorte no cenário do rock da região

Por Caroline Ayala Silvestre e Giovana Alves

As mulheres ainda são poucas em bandas de rock, falta um incentivo para seu profissionalismo e reconhecimento no cenário musical. Além da intimidação em fazer parte de uma banda com integrantes homens. O conservadorismo em cima do rock existe desde o surgimento do estilo. Rita Lee, Pitty, Joan Jett são exemplos fora da curva em que a mulher pode ter espaço no estilo musical. Com muita luta feminina e aos poucos a cena vai mudando, mas ainda há muito pelo que lutar pela representatividade feminina no cenário rock atual.

Para a vocalista da banda Hermínia o fato de as mulheres ainda serem minorias em bandas de rock se dá pela falta de incentivo ao profissionalismo, a intimidação e a falta de valorização de bandas femininas. “Primeiro porque o incentivo ao profissionalismo é muito mais voltado para os homens. Segundo porque a maioria das garotas se sentem intimidadas em fazer parte de uma banda com integrantes homens, caso estes não sejam amigos. E depois porque bandas só de mulheres são bem pouco valorizadas”, expõe Juliana Bessi, 27, vocalista da Banda Hermínia, que atua há cerca de dois anos, nos bares e casas noturnas de Pederneiras e região.

Camila Soufen, vocalista da banda Armada da cidade de Jaú, acredita que o motivo das mulheres ainda serem poucas em bandas de rock é consequência de todo um histórico de construção de gênero e ainda questiona o estereótipo formado contra os fãs e artistas do rock: “Aos poucos os estigmas e estereótipos relativos à figura feminina e seus sucessivos papéis sociais estão sendo desconstruídos, vide o ingresso da mulher no mercado de trabalho. No entanto, particularmente, percebo esse ingresso no quesito musical um pouco mais lento, apesar de vir em uma crescente”, expõe. Para ela essa mudança pode ser em partes justificado pela criação de novos rótulos e estereótipos. Por exemplo, conta que algumas pessoas já vieram lhe perguntar se fuma ou usa alguma droga por ser vocalista de uma banda de rock. “Como se essa fosse uma condição implícita das pessoas que fazem isso. Ainda, acham estranho eu não ter piercing, tatuagens, e nem andar com um figurino considerado por eles como “exótico” no meu dia a dia”, ressalta.

Para a baterista da banda Five Queens, Fabiana de Oliveira Ferreira de 20 anos, composta por cinco estudantes do curso de música da Universidade do Sagrado Coração (USC) a surpresa em ver uma mulher tocando não deveria acontecer, já que elas podem – e são – tão boas quanto os homens: ”É meio assustador ver uma garota tocando, como se fosse um choque. Um exemplo claro disso está na banda Supercombo, onde a baixista é mulher e o resto da banda é composta de homens. O foco sempre vai ser pra essa mulher. Isso não deveria acontecer, as pessoas deveriam se acostumar com o fato de que uma mulher tocando é tão capaz quanto um homem”, disse.

A vocalista Camila Soufen também observa que quando uma mulher toca muito bem um instrumento é motivo de espanto, como se ela não fosse naturalmente capaz de fazer aquilo; quando não faz tão bem, parece que já é meio que esperado.

Falta atitude da parte das meninas. Há muitas meninas que tocam, só que não buscam se aprofundar. – Fabiana Ferreira.

”Geralmente bandas de rock são formadas por homens, mesmo tendo grandes nomes da música sendo femininas, ainda há muito preconceito nesse meio. Eles desacreditam na capacidade de uma mulher. Já passei por uma situação desse tipo ao ir tocar em um bar de Duartina, onde antes mesmo de começar a tocar me olharam e fizeram comentários com dúvidas a respeito da minha capacidade”, comenta Giovana Montesino Bravo, 19, estudante de Música pela Universidade Sagrado Coração e integrante da banda Five Queens, formada no campus.

Juliana Bessi conta que tem sorte, já que em sua banda não existe um líder fixo. Todos tem o voto por cima nas decisões que serão tomadas e elogia o comportamento desconstruído de seus companheiros: “Meus companheiros de banda são alguns dos caras mais legais que conheço e eles admiram músicos, homens ou mulheres, sem fazer distinção de gênero e sim, pelo profissionalismo. Mas eles percebem que quase todo festival que tocamos, costumo ser a única mulher dentre as bandas. E já tivemos problemas com opiniões misóginas de outros músicos”. Já teve alguns atritos com outros homens do meio que diziam que “lugar de mulher direita é em casa, não no rock”, mas nada com que se intimidasse.

Nos bastidores

No momento de buscar um contrato com lugares para se apresentar explica que em lugares mais underground não encontram dificuldades, pois as casas exclusivas de rock têm a preocupação com a questão do som autoral. “É gente que quer simplesmente música boa”, cita. Mas revela que em alguns lugares que já tocaram percebeu que o contato é mais facilitado quando algum dos garotos apresenta a banda.

“Hoje ter uma mulher na banda é visto por muitos como um diferencial. O preconceito aí entraria no caso de o contratante achar isso interessante com vistas apenas na imagem que a mulher proporcionará e na ideia de que atrairá público somente pelo visual”, ressalta Camila Soufen.

As mulheres precisam de um maior esforço para conquistar um reconhecimento e respeito do seu trabalho no cenário rock atual. A vocalista Juliana Bessi conta que a percepção que compartilha com amigas que também estão nesse meio é que precisam sempre inovar e tocar músicas de bandas masculinas em caso de cover.

Aprovação e Incentivo

Sobre a aprovação e apoio da família em integrarem uma banda de rock, Juliana Bessi conta que por iniciar com a banda já mais velha, não dependeu muito de aprovação e que recebe incentivo por parte de seus familiares. A musicista Giovana Bravo conta que quando criança via seu pai tocar com seu irmão e foi a partir disso que resolveu se interessar pela música também e estudá- la por conta própria. ”Desde meus 8 anos eu sou ligada a música e sempre tive o apoio da família, isso nunca foi problema”, relata.
Para Juliana Bessi a sociedade não é preconceituosa com o fato de mulheres integrarem bandas de rock, mas com mulheres que desafiam os meios denominados como masculinos. “A atitude rock n‟ roll em si: assumir a frente de suas vontades e verdades e questionar os padrões estipulados”, explica a cantora.

“Meninas, vamos fazer barulho!”, Juliana Bessi Revertendo a situação

Camila Soufen acredita que os estereótipos precisam ser desconstruídos e que as questões de gênero precisam ser discutidas, e assim as mulheres podem se sentir mais a vontade para entrarem nesse meio. “A discussão sobre a questão de gênero tem que ser ampliada na sociedade. As pessoas deveriam ser mais valorizadas por aquilo que elas executam em termos musicais e não pelo que elas vestem ou pelo seu corpo, há um desequilíbrio muito grande nessa parte”. Porém, para isso acontecer não depende só dos contratantes, mas também do público em geral.

“Aos poucos a cena vai mudando. Ainda há muito pelo que lutar, mas já vejo mais que o dobro da representatividade feminina no cenário rock atual do que há cerca de uma década, por exemplo. Creio que as mulheres que estão nesse meio precisam encorajar as que estão começando, estas precisam se empoderar e não abaixar a cabeça pros inúmeros nãos que ouvirão e ainda falta bastante da sociedade, aprender a “não julgar um livro pela capa” e considerar a música antes do gênero”, expõe Juliana Bessi que acredita em um futuro promissor para as mulheres que se aventurarem. E finaliza dizendo “Meninas, vamos fazer barulho!”

Diferenças de aceitação das mulheres no cenário musical entre o pop e rock, e o tratamento da mídia

No cenário pop atual o que vemos é bem diferente da realidade do rock, muitas mulheres são reconhecidas e fazem grande sucesso, principalmente na música internacional. ”Acho que a razão disso é porque no pop encontramos dança, clipes e músicas consideradas mais femininas, usam até mesmo muita sexualidade nelas. E no rock é difícil encontrar garotas, homens dominam completamente a cena.”, relata a guitarrista Andressa Ferreira Vilela de 19 anos.

“Hoje vejo bandas com integrantes femininas como um diferencial, sendo por isso até valorizado. Porém, é necessário refletir acerca de qual aspecto está de fato sendo valorizado: o talento ou a imagem? Muitas vezes uma banda pode até ter integrantes mulheres e muito talentosas, porém se elas não têm uma postura sexualizada por vezes não são tão reconhecidas”, cita Camila Soufen.

“Ainda é um meio bastante machista e ainda há grande parte do público e até críticos de música que classifica o trabalho de mulheres nessa área pela aparência e atributos físicos, não pelo talento e qualidade musical. Tem mudado aos poucos, mas ainda vemos muitos comentários e atitudes degradantes e pensamentos retrógrados do público e dos próprios músicos”, relata a vocalista da banda Hermínia sobre a falta de reconhecimento das mulheres no rock atual.

Na mídia para Andressa o que falta é alguma banda se lançar. “Acaba sendo tão diferente uma banda formada por mulheres, então se tocarem um som legal e forem boas no que fazem a mídia vai aceitar. Porém, é difícil encontrar isso no cenário atual, garotas empenhadas e que querem fazer diferença e mudar a história do rock atual”, afirma.

A exposição e o reconhecimento da mídia têm pontos positivos e negativos para a vocalista da banda Hermínia. “A mídia ainda objetifica mulheres, ainda transforma em instrumento de marketing e pior, ainda tenta criar rivalidade entre nós. Porém ela não influencia muito as bandas de rock. O ponto negativo é que perdemos divulgação e espaço no cenário musical. A parte positiva é que o underground tem a mente mais aberta e acolhe melhor todos os tipos de pessoas e sons.”

Reportagem para a disciplina de Técnicas de reportagem, entrevista e pesquisa jornalística.
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